No discurso de posse dos três novos membros do Conselho de Fiscalização dos Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), Augusto Santos Silva fez um apelo repetido à “confidencialidade” sobre a atividade dos serviços secretos. Mas também deixou uma mensagem forte a Rui Rio e a António Costa, no sentido da colaboração e diálogo entre o primeiro-ministro e o líder da oposição, no contexto do debate público a propósito do caso do acolhimento de refugiados ucranianos em Setúbal.
O presidente da Assembleia da República disse que os serviços de informações “devem ser mantidos à margem do que é a normal conflitualidade política ou institucional, que também caracteriza qualquer democracia”. Defensor da colaboração em matérias de interesse nacional entre PS e PSD, pediu respeito pelas “restrições de reserva, confidencialidade”, como António Costa tem sublinhado, e apelou ao Bloco Central no campo da intelligence: “Que continuemos a seguir a boa prática da nossa democracia, ao longo da qual governos e oposições têm sabido partilhar informação crítica sobre questões de segurança nacional, sem que uns façam aos outros perguntas a que sabem que os outros estão impedidos por lei de responder e sem que os outros guardem para si dados e alertas de interesse estratégico nacional e imediato”.
Tendo em conta o que aconteceu ao longo da última semana – em que o PSD viu chumbada pelo PS a pretensão de ouvir, no Parlamento, a secretária-geral do SIRP, Graça Mira Gomes -, trata-se de uma mensagem dirigida a Rui Rio, para não insistir com o primeiro-ministro numa área de que Costa não pode falar publicamente. Mas também de um recado para António Costa partilhar mais informação estratégica com o líder da oposição, para além do SMS que lhe enviou na terça-feira (e que fez questão de dizer em púbico que tinha enviado, a explicar porque não podia falar dos relatórios do SIS).
A intervenção da segunda figura do Estado a apelar ao estrito secretismo do que é secreto, acontece exatamente no mesmo dia em que o Presidente da República mostrou ter um entendimento diferente de António Costa sobre as regras para lidar com os relatórios da espionagem. Enquanto para o primeiro-ministro mencionar a intelligence que recebe é um “crime” que prejudica os serviços, Marcelo Rebelo de Sousa falou da informação que não tinha recebido e da que tinha sido enviada (e quando) a propósito do caso de Setúbal.
Para Santos Silva, os membros do CFSIRP têm de manter “duas condições essenciais, complementares e interligadas”. Primeira: “A preservação do ambiente de discrição, reserva, confidencialidade e, quando indispensável, secretismo que proteja os serviços e os seus agentes e garanta que a informação recolhida não seja contaminada e que circule apenas entre as entidades legítimas e estritamente indispensáveis”. Segunda: “O Conselho não é, nem pode ser uma fonte de informação, por mais reservada ou oblíqua, sobre informações dos serviços de informações”.
Um dia depois de o DN ter noticiado que o Conselho de Fiscalização confirmava aquilo que o Expresso noticiou há uma semana – que o cidadão russo Igor Khashin tinha sido monitorizado pelo SIS – o presidente da Assembleia pediu aos membros do CFSIRP para tratarem estas questões, delicadas e centrais, com sentido de Estado, isto é, com responsabilidade, com maturidade e com o distanciamento indispensável face aos pequenos interesses e à espuma dos dias”.
Sem as informações, segundo Santos Silva, “seria muito mais débil” a capacidade do Estado “de proteger os cidadãos, a sociedade e o Estado de direito democrático contra ameaças tão graves quanto o terrorismo, a guerra híbrida, a alta criminalidade organizada, as ciberameaças, a disrupção de infraestruturas críticas, a desinformação e outras formas de subversão da ordem democrática e do Estado de direito, ou de ataque a interesses nacionais vitais”.
Com a saída de Filipe Neto Brandão, deputado do PS, António Rodrigues, o antigo deputado do PSD, e do ex-conselheiro de segurança de Cavaco Silva, Abílio Morgado, entra Constança Urbano de Sousa (ex-deputada socialista e ex-MAI), o juiz conselheiro Mário Morgado (ex-secretário de Estado da Justiça) e o açoriano Joaquim Ponte, ex-deputado do PSD. O mote de Santos Silva foi: “Devem contribuir para a boa aplicação da legislação sobre os serviços; e devem guardar sigilo sobre a matéria classificada, a atividade de informações, a estrutura e o funcionamento do SIRP, seja durante o mandato seja após a cessação do mandato”. O caderno de encargos ficou registado.